Falar da Calheta do Nesquim é falar de uma das belezas dos Açores.
Situada na costa sul do Pico, na ponta mais remota da ilha e a 18 km da sede de concelho, surge à beira-mar, com uma singular beleza paisagista e uma particular riqueza em património histórico e cultural.
A história desta freguesia remonta ao século XVI quando naufragou junto à costa sul do Pico, um navio carregado de madeira, que vinha do Brasil. Três homens se salvaram, guiados pelos latidos do cão de bordo, de seu nome Nesquim, que encontrou terra e os guiou até uma pequena enseada, saltando para terra no sítio que mais tarde ficou conhecido de Morro do Cão e atualmente por Morrocão. Diz-se que os três homens que sobreviveram João Redondo, João Valim e Diogo Vaz Dourado fixaram-se na ilha, tendo o Capitão Diogo Vaz Dourado se fixado no lugar dos Foros.
Calheta foi o nome escolhido pelos antepassados por se encontrar localizada numa pequena enseada, também denominada por calheta, que acabou por ser acompanhada pelo nome do cão que a descobriu, formando assim o nome Calheta de Nesquim.
A primeira ermida construída na freguesia, tal como na maioria das regiões, era o ponto central do povoado, sendo posteriormente edificada no mesmo lugar a atual igreja, pelo Padre António Ávila da Silveira entre 1950 e 1960. Este foi o trabalho de união de um povo que apoiou através de esmolas e voluntariamente se juntou para dar início às obras a 8 de julho de 1951, num trabalho árduo que implicava o transporte de toda a pedra em jangadas desde a baía da Feteira. Celebrou-se a primeira missa na Igreja Paroquial de São sebastião a 7 de setembo de 1856, contudo, as suas torres só ficaram concluídas no ano de 1960. Este tempo foi restaurado em 1984 com o apoio da benemérita Maria Emília da Silva, natural da freguesia.
Em 1741, noite dentro, atracaram na freguesia 4 galeões de piratas argelinos que não encontrado resistência em terra, invadiram, roubaram e saquearam a igreja e algumas das casas, levando tudo o que encontraram com valor. Nesta invasão foi assassinado um religioso do Convento dos Franciscanos da Lajes do Pico que se deslocara à Calheta para recolha de esmolas para a sua congregação.
Em 28 de agosto de 1883, o primeiro porto da Calheta de Nesquim foi destruído por um ciclone, mas o vigário António Silveira Avila Furtado mandou contruir o segundo porto assim como a furna do pescador onde se abrigavam quando o mau tempo se fazia sentir. Fustigado por um novo ciclone em 4 de outubro de 1946 que devastou toda aquela zona, o porto ficou completamente destruído, assim como o pequeno edifício de derreter óleo de baleia, a capela do Espírito Santo e a casa que pertencia ao professor Francisco Medina.
Mas nada fez baixar os braços e o povo uniu-se para arregaçar mangas e reconstruir a freguesia. O novo porto, construído pelo Engenheiro Crobal foi um dos mais importantes da costa sul do pico que devido à sua construção estratégica em relação à baía o tornou um porto muito abrigado. Por este porto passaram os iates Santo Amaro e Espírito Santo, o Terralta e a Chalupa Helena do Dr. João Alves das Ribeiras, assim como os barcos de pescado do atum que aqui vinham aqui descarregar o peixe que depois era transportado por terra para a Cofaco. Existiu ainda nesta freguesia um posto da Guarda Fiscal com serviço de despachos alfandegários.
Nos finais do sec. XIX a Calheta de Nesquim registava uma população de 1600 habitantes para 417 fogos e a sua riqueza provinha do mar e da terra tendo como atividades principais a pesca, a agricultura e a pecuária. As estatísticas registam que naquela época havia na freguesia 400 cabeças de gado bovino, 60 caprinos, 230 suínos e 500 ovelhas das quais se extraiam 332 kg de lã.
A primeira armação baleeira foi registada na Calheta do Nesquim a 28 de abril de 1876pela mão do Capitão Anselmo que tinha embarcado de “salto” num navio baleeiro que rumava à América do Norte. Por lá ganhou experiência e dinheiro e voltou à sua terra Natal para implementar a arte da Caça à Baleia que durante muitos anos foi uma das principais fontes de rendimento de muitas famílias calhetenses.
Lançado o foguete na vigia, os baleeiros abandonavam os seus trabalhos no campo e corriam por caminhos e canadas para chegarem depressa ao porto onde arreavam os botes a reboque de uma lancha a motor que os levava até perto do animal. A aproximação era feita a remos ou a vela para não denunciar a sua presença pelo barulho do motor da lancha. Esta era uma vida sofrida pelos que ficavam em terra à espera de notícia e difícil para aqueles que num bote mais pequeno que o cachalote, arriscavam a sua vida para trazer para casa o sustento das suas famílias.
Enfrentar o gigante dos mares era um trabalho duro e perigoso, muitas vezes ficando no mar horas a fio à espera que o animal saísse para bufar e assim o poderem arpoar, matar e rebocar para terra. Nem sempre correu tudo bem, houve acidentes que ceifaram a vida a baleeiros corajosos que nada puderam fazer contra a força do cachalote. Ainda hoje continuam nas memórias das nossas gentes a tragédia que vitimou o António Teixeira quando a baleia, com o rabo, destruiu o bote em que era arpoador e o João Saltão que foi sugado para o fundo do mar, enrolado na linha do arpão que seguia preso à baleia.
As baleias capturadas eram esquartejadas e derretidas em grandes caldeirões numa pequena fabrica que ficava junto ao porto. Mais tarde, depois de construídas as fabricas das Lajes e São Roque, as baleias passaram a ser transportadas para lá para serem transformadas.
Muitos nomes ficaram registados na atividade da Caça à Baleia, na sua maioria recordados através de fotografias na Casa dos Botes, numa homenagem aos homens valentes que lutaram contra os Gigantes dos Mares. Contudo, e já nos últimos anos desta atividade é necessário referir o importante papel de Manuel Faidoca que muito ensinou aos jovens baleeiros que viam naquela atividade uma forma de começo de vida.
Quando não estavam no mar, os homens desta terra estavam nos campos de onde tiravam as riquezas da sua mesa. E com a ajuda de bois, vacas, cavalos e burros trabalhavam a terra e traziam para casa os proveitos das suas colheitas. Os animais, então conhecidos por “gado da porta” eram criados em atafonas e muitas vezes nas lojas das próprias casas onde eram feitas camas de milho ou rama para os animais dormirem, que por ação das fezes se transformava em estrume que servia para a adubação das terras.
Em 1871 cultivava-se na freguesia trigo, milho, centeio, feijão, favas, ervilhas, tremoço, cevada, batata-doce e batata inglesa. A vinha era cultivada nas encostas próximas da costa e nos terrenos mais áridos e pedregosos.
No ano de 1893, conhecido pelo “ano da fome”, a 28 de agosto a freguesia é novamente assolada por um ciclone que danificou todas as culturas e plantações, levando a que a população passasse por grandes necessidades, chegando mesmo a alimentar-se de raízes de jarroca para não morrerem de fome, tanto que o Professor Manuel Fernandes Leal, o “Professor Velho” como era conhecido pelos Calhetenses, mandou vir trigo dos Estados Unidos.
Nas zonas baixas nomeadamente nas Canadas e na Feteira de Baixo, locais mais propícios ao cultivo da vinha, começaram a surgir as pequenas adegas de pedra que serviam para dar apoio à vinha e ao vinho. Era aqui que, com o apoio do lagar, e do cincho e com o aroma da rama de pinho que se apertavam as uvas e se fazia o vinho. A adega também os aproximava do mar, levava-os a banhar-se na poça das mujas, no portinho da feteira, na baía ou no porto da Calheta.
A maior exploração agrícola conhecida situava-se no lugar dos foros e pertenceu a Manuel Ferreira Pereira, sendo composta de casa de ordenha, fábrica de queijo e casa de habitação. Contudo, esta freguesia também teve homens de outros ofícios, destacando-se as mais variadas atividades, tais como tenda de sapateiro, alfaiate, alambique, tenda de ferreiro, carpintaria, latoeiro, mercearia, oficina de mecânica, barbearia e uma farmácia, no lugar dos foros instalada por Manuel Silveira Furtado que não tendo formação na área adquiriu conhecimentos a trabalhar em farmácias e hospitais.
A atividade comercial teve bastante impacto na freguesia porque as famílias nem sempre tinham dinheiro para as suas compras básicas tendo de deixar no “rol” pagando muitas vezes só quando recebiam a soldada da baleia. Manuel Silveira, mais conhecido por Palmeira foi um dos homens que suportou algumas destas despesas aguardando pacientemente pela chegada do dinheiro, que muitas vezes tardava a chegar. Mais tarde, apareceu a Cooperativa Progresso Calhetense, fundada pelo Padre Alvernaz e apoiada pelas cotas dos sócios, que para além de também garantirem a venda de produtos alimentares para a população, tinham a lancha Calheta que fazia a ligação marítima com a Madalena e com a Horta.
No auge, altura em que havia gente e que todos procuravam a Calheta por variados motivos, houve nesta freguesia vários comércios em simultâneo, tais como uma loja de fazendas, um talho, várias mercearias, um comércio de ferragens e uma padaria fundada em 1947 por Manuel Silveira Furtado e sua esposa Clautiria Cardoso Furtado que começou com a cozedura de pão em casa. A padaria evoluiu com os tempos de acordo com as necessidades da população, sobrevivendo até hoje, 75 anos depois, e tornando no maior comércio da Calheta.
Havia nesta freguesia uma escola para o sexo masculino e uma do sexo feminino que levavam aos mais pequenos os ensinamentos do ensino básico. Muitas pessoas recordam a forma complexa com que adquiriram a antiga quarta classe, porque antes e depois de ir para a escola era necessário apoiar a família nas lides domésticas e nos campos, o que deixava muito pouco tempo para estudar, sendo por vezes feito já noite dentro à luz de uma candeia.
A luz elétrica só chegou em 1971, através de gerador comunitário que era ligado por volta das seis da tarde e que se desligavam à meia-noite e só abrangia uma parte do ramal e a zona da Feteira. Entre 1972 e 1973 ampliou-se a rede até aos Fetais e posteriormente, por iniciativa da Junta de Freguesia, colocou-se um gerador nos Foros e outro no Jogo da Bola.
Este era e é um povo de fé, crente em Deus e no Espírito Santo, crença enraizada em todos os Açores, não sendo diferente nesta freguesia. Com três Irmandades, que sobrevivem até hoje, na Calheta do Nesquim, pagam-se promessas de fé, distribuindo carne e pão pelos mais necessitados, rezando durante a semana que antecede a festa o terço ao Divino Espírito Santo.
Celebrava-se na freguesia a festa em louvor ao Padroeiro São Sebastião, que trazia fiéis das freguesias vizinhas a pé por caminhos pedregosos e canadas e a festa em louvor a São Pedro Gonçalves, conhecido como patrono dos homens do mar, levando a imagem a percorrer todas as embarcações do porto de pescas como forma de bênção e proteção. É importante ressalvar a já centenária Festa em Louvor do Bom Jesus, que segundo uma nota de Ermelindo Ávila, retirada do Semanário Echo do Pico, com data de 1906, diz que no dia 7 de junho desse mesmo ano, pelas quatro da tarde, chegou a esta freguesia uma grande e bonita imagem do Senhor Bom Jesus, oferta da Sra. Maria Filomena Gomes. Esta é a fé das nossas gentes, uma fé que continua viva nos dias de hoje, celebrando cada uma delas com a mesma devoção de outros tempos.
A Calheta foi uma das mais cultas do nosso concelho devido á envolvência da população nos teatros que se levava a cena na antiga casa da música e que percorreram muitos palcos da nossa ilha. No tempo do Natal elaboravam-se Ranchos de Anos Bons e na altura do Carnaval, mais uma vez se uniam em torno das danças e carnaval que com arcos, espadas ou cardaços saiam à rua para animais miúdos e graúdos.
Mas a cultura também é música, e a Filarmónica Lira Fraternal Calhetense, fundada em 1888 pelo Professor Manuel Pereira Gomes, contava na altura com apenas catorze elementos. Em 1910, a filarmónica teve de suspender a sua atividade porque o seu regente de então, Manuel Homem de Freitas, emigrou para os Estados Unidos. Anos mais tarde, reabre sob a regência do Guarda-fiscal Gregório Reis e quatro anos depois a Filarmónica entrou em crise por desavenças tocadores e regentes e formaram-se duas bandas, rivais como seria de prever, e que se foram chamadas de entre Música Velha, à antiga Lira Fraternal Calhetense e de Música Nova, à recém-formada filarmónica. Na década de quarenta com o início da guerra e com o alistamento de muitos jovens as Filarmónicas começaram a sentir dificuldade, e depois de muitas análises, polémicas e acertos, resolveram integrar a Música Nova de nome União Musical Calhetense na antiga Lira Fraternal Calhetense, formando a partir dai uma única banda coesa que sobreviveu ao tempo e às dificuldades, ensinando música a dezenas e dezenas de jovens que muito contributo deram a esta instituição que sobrevive até hoje.
É importante referir que ao longo dos anos o Clube União Desportiva Calhetense dinamizou o desporto nesta freguesia, através do futebol 11, que muito apoiou os rapazes residentes desta terra, sendo campeões e chegando mesmo a integrar o campeonato distrital em 1991. Hoje, já não se joga futebol 11, mas o clube continua se reajustando às novas realidades, através de equipas de futsal em diferentes escalões de formação.
Também a apoiar na formação e a se a ajustar às novas realidades temos o Clube Náutico Aliança Calhetense, que herdou a história da baleação, através do património baleeiro e que atualmente o dinamiza através das regatas de botes baleeiros que já trouxeram para a nossa terra diversas taças que comprovam a garra e determinação de todos aqueles que se sentam dentro de um bote baleeiro.
Note-se que a Casa do Povo, fundada em 1971 com sede no Terreiro, englobava conjuntamente a freguesia da Calheta de Nesquim e a freguesia da Piedade. Mais tarde houve a separação e a Casa do Povo da Calheta do Nesquim ficou unicamente encarregue da nossa freguesia. A Casa do Povo tem vindo a desenvolver algumas atividades em benefício dos seus sócios e da população em geral, tais como teatro, cursos de instrumentos de corda, curso de chamarrita e danças de Carnaval, dignamente ensaiadas pela Sra. Silvina Melo. Hoje, continua ativa com o Centro de Convívio de Idosos Canoa da Esperança e o grupo de ginástica.
Serafino Silva de Azevedo, atual presidente da Casa do Povo da Calheta de Nesquim, viveu, vive e viverá para apoiar a Calheta de Nesquim. Com apenas 26 anos de idade integrou, como secretário, a primeira Junta de Freguesia da Calheta do Nesquim eleita democraticamente depois da revolução de 25 de abril de 1974 e em 1979 é eleito como presidente da Junta de Freguesia mantendo-se no cargo por 26 anos a trabalhar em prol do desenvolvimento da nossa terra.
Por fim e sem mais delongas é ainda importante referir mais alguns nomes que se destacaram na história da freguesia da Calheta do Nesquim, tais como o artesão João Fernandes Leal que elevou a arte de esculpir dente e osso de baleia devido ao elevado nível de polimento que conseguia extrair das suas peças que estão em exposição no Museu dos Baleeiros.
Manuel José Simas, também conhecido por Manuel Serafim que órfão de pai em tenra idade foi para a baleia para ajudar a família, mas ao sofrer um grave acidente numa arriada à baleia que lhe provocou lesões graves na coluna que o deixou paralisado dos membros inferiores. Mais tarde, recuperou e apesar das suas limitações físicas trabalhava como e ensinava solfejo e música aos muitos aprendizes, tornando-os aptos para entrarem na Filarmónica.
Conhecido entre os Calhetense e pelos povos das freguesias vizinhas, temos Júlio Cristiano Carias que apesar de ter só a instrução primária, adquiriu conhecimentos de enfermagem com a professora Maria Hermínia Ávila que lhe ofereceu livros de especialidades médicas, com os quais estudou e aprofundou valiosos conceitos de medicina. Ficou conhecido por “doutor dos pobres” por ter ajudado, gratuitamente, muita gente enferma nas freguesias da ponta da ilha. Aperfeiçoou-se na enfermagem e na prática de dentista, conceitos que passou ao seu filho Artur Carias, que na falta do seu pai também ajudou muita gente.
E para terminar, o Escritor José Dias de Melo, escritor e Poeta Baleeiro nascido na Calheta do Nesquim, frequentou aqui o ensino primário e prosseguiu estudos no Liceu da Horta. Casou em Ponta Delgada e lá constituiu família. Publicou o seu primeiro livro “Toadas do Mar e da Terra” em 1954 que deu início a um percurso literário notório de mais de 30 livros publicados em diferentes géneros literários. Defensor da classe operária e dos mais desprotegidos, Dias de Melo dignificou o trabalho árduo dos baleeiros e levou longe o nome da freguesia da Calheta do Nesquim.